Terça-feira, 21:50

Imagine uma pessoa suada. Imaginou? Eu estava muito mais.
A testa escorrendo. O tempo estava parado, quase 22hrs e um clima muito abafado.

Final de meu expediente, hora de ir pra casa tomar aquele banho gelado e beber um galão de água inteiro. O metrô estava lotado. Na baldeação com minha linha de trem, uma verdadeira corrida entre os passageiros.
"Deixa eles irem, depois eu vou!"
Esse é meu lema. Independente da correria sempre chegávamos no mesmo lugar.

Lá íamos nós, enfiados de qualquer jeito, como roupas usadas e amassadas numa pequena caixa de sapatos.
"Olha a água, é dois reais! Refresca e mata sua sede, é dois reais!"
"Moço, me vê uma água."
E ao pagar o moço, me deparei com um homem. Camiseta (aparentemente do uniforme de sua empresa) por dentro da calça jeans, passando a língua nos lábios e com os olhos fixos em meu corpo.

Fiquei constrangida e ajustei meu vestido.
Uma moça do banco da frente finalmente desembarcou e consegui sentar. Ele ainda me olhava fixamente. Mas fingi não ver. Desviei o olhar. O ônibus que peguei era o mesmo que o dele.
"Nossa, que delícia."
Foi o que ele disse quando conseguiu chegar mais perto de mim.

Algo no meu peito apertava, insegurança e medo. Decidi ligar pro meu marido que, chega em casa uma hora antes de mim.
"Ah, amor. Não posso sair agora, o jogo acabou de começar."
Ok, aceitei numa boa e fui.
Ficamos eu e o sujeito em pé, de início ele estava do meu lado. Mas não demorou nem três minutos pra ele parar atrás de mim.

A cada tranco do ônibus era uma encoxada. Foram dois trancos. Ele dizia algumas coisas e quando eu fui para o lado, ele também foi.
"Esse tarado tá abusando de mim!"
O ônibus se transformou num cemitério, juro. Ninguém disse nada. Ninguém fez nada além de olhar.
Ele também não esboçou nenhuma reação. Afastou-se quando falei alto, mas aos poucos se reaproximou novamente.

Ele se esfregava em mim. Aquele cheiro forte de pinga me fez ficar enjoada.
Eu não poderia descer. Lá fora estava muito escuro e tive medo dele descer comigo, então desci onde era pra descer. Ele felizmente não desceu. Dei graças a Deus.
Quando cheguei em casa, gritei tanto com meu marido que chorei. Chorei de raiva, chorei de nojo e decepção.
"Você deixou de me acompanhar por causa da porra de um jogo. Eu fui abusada!"

E o pior estava não no ônibus e não no trem, mas dentro da minha casa.
"Você tem certeza que foi abuso ou ele só uniu o útil ao agradável? Já falei que esse vestido é muito insinuante, mas você não me escuta." Disse meu marido, calmamente, com os olhos no futebol.

- Juliane França.

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1 comentários:

  1. Casos como esse que você, muito bem, retratou no conto, infelizmente, vão se repetir enquanto o machismo ainda for encarado com naturalidade. É muito mais fácil culpar a vítima do que refletir sobre os valores dessa sociedade abjeta.

    Muito bom, Juliane! Beijos!

    O Mundo Em Cenas

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