Eu nem sei quem é o pai do meu bebê. Foram tantos...
Não tenho muito dinheiro e, por conta disso, não tenho condições para bancar roupas tão elegantes. Ficava com minhas roupas rasgadas mesmo. A comida era minha maior prioridade, para fortalecer meu filho dentro de mim.
O chuveiro da minha casinha queimou, e como morro de medo de levar choque, chamei meu vizinho. Ele disse que a mulher dele estava trabalhando, mas pra mim, isso era irrelevante.
Ele me olhou com olhar maldoso, confesso. Fiquei em pleno constrangimento até ele ir embora, quando conseguiu arrumar o chuveiro. Logo soube que a história foi distorcida, quando a mulher dele bateu na minha porta.
"Moça, eu só chamei ele pra arrumar o meu chuveiro."
Foi só o que consegui dizer. Deixei ela xingar e se rebaixar por uns três minutos e depois fechei a porta. Ela nunca iria acreditar que não era eu quem estava com maldade.
No outro dia, estava um calor tão forte... Vesti o primeiro short que vi na gaveta e, ao pisar fora de casa, me senti uma celebridade. Isso não foi nada bom.
Todos falavam de canto, me apontavam e olhavam feio. Enquanto os maridos tinham, surpreendentemente, uma personalidade com a presença das esposas e outra quando as mesmas ausentes.
Eu era a vadia da vila.
Consegui arrumar um emprego, mas não durou nem quinze dias, era temporário. Era só o que eu estava conseguindo. Até deu para comprar umas fraldas e umas camisas mais soltas.
E o pai do meu bebê era uma incógnita...
Eu sempre me levantava da cama, pisava na rua para buscar o emprego que até hoje não chegou e sorria para todos que me olhassem. Sem que jamais percebessem as olheiras de uma noite mal dormida.
Quando o pessoal da vila vinha falar comigo, eu tentava beijar, abraçar... Como sempre fiz. Como eles me cumprimentavam anos. Mas eles se afastavam e me ofereciam suas mãos.
Um boato macabro correu pela cidade toda: eu era uma vadia da cidade, portadora de Aids.
A barriga ia crescendo e eu me tornei mau exemplo para as crianças. Me tornei um alguém que os homens comprometidos não poderiam sonhar em olhar. Porque eu era a vadia, eu ia querer todos eles, eu era fácil.
Muitos homens são suspeitos. Eu estava em dúvida entre uns oito, sobre quem poderia ser pai do meu filho. Mas depois desencanei. Coloquei na cabeça que um estupro coletivo não faz estuprador ser pai, nem aqui e nem no inferno. Aceitei que eu era o pai do meu filho.
Descobri com uns meses, que não era um filho e sim uma filha. Eu iria virar "pãe" da minha princesa.
As mulheres da igreja da esquina vieram até minha casa e quiseram me levar à igreja para me trazer "salvação".e disseram também que o caminho da luxúria não era um caminho certo, que eu iria me curar da Aids.
Eu era a vadia doente e safada.
Eu era o que qualquer um quisesse. Eu poderia ser qualquer coisa. Mas ninguém que me rotulou jamais sentiu uma gota da tristeza que tanto guardei aqui dentro. Ninguém veio até mim perguntar se eu estava passando fome, optaram por dizer que minha perda de peso era Aids. Também, nunca fiz questão de contar o que aconteceu à ninguém. Nem mesmo aos 'amigos" que se afastaram.
Deixa eles acharem que sou puta. Deixa eles acreditarem que uma mulher que engravida de um estupro coletivo é safada. Deixa eles acharem que falta de comida é doença.
Vou continuar lutando, desfilando com meu sorriso, sem pedir ajuda à quem me jogou pedra.
Quando minha menina nasceu, atingi o nível máximo de felicidade e amor, tenho certeza.
E lá ia eu. Magrela, de cabelos soltos, vestimentas baratas e com um pano no ombro.
Puta, doente e com uma pérola nos braços que, me faz lembrar, todos os dias, de que nunca fui nada disso.
- Juliane França.