Sabe aquelas roupas surradas e desbotadas?
Eram todas as do meu guarda-roupa. Antes de ter minha bebê, até tinha desculpas
para comprar uma camisa nova, mas depois de seu nascimento, cuidar de mim era
“luxo”, era sinônimo de uma “mãe desnaturada”. Eu amo minha filha e,
sinceramente, tínhamos condições para que ao mesmo tempo que cuidássemos dela,
eu pudesse também cuidar de mim. Logo eu que, nunca esqueci de mim antes de
conhecer ele.
Mas depois que conheci ele,
deixei minha personalidade na gaveta. Os cabelos ressecavam, os dentes ficaram
amarelados e, por mais que eu dissesse que estava feia, ele dizia que eu estava
linda, então eu esquecia que precisava me cuidar. Quando comecei trabalhar, não
podia usar batom ou colocar o cabelo para o lado ou ele iria imaginar que eu
estivesse me arrumando para alguém. Ele não admitia, mas era muito desconfiado
de tudo.
“Vai com os lábios naturais e
prende o cabelo, amor. Você fica linda assim.”
Eu estava feliz, pois até então,
ele tinha sido o único que conheceu a minha pior versão e, ainda sim, me achava
linda. No começo, foi difícil me adaptar ao meu novo reflexo no espelho, mas
ele me acomodou tanto que fiz daquilo a minha zona de conforto.
Ele, por sua vez, estava sempre
reservando um dinheiro para comprar bermudas e tênis de marca. Seus cabelos eram cuidados
semanalmente e seus dentes estavam sempre brancos. O perfume preferido dele é o
que passa na TV até os dias de hoje e, quando saíamos juntos, algumas mulheres
olhavam pra ele. Houve um dia em que passei pelo constrangimento de ser
confundida com a tia dele.
Quando nossa filha nasceu, ele
maneirou nos gastos com ele, mas ainda assim não deixava de se cuidar. Enquanto
eu, quando abria a boca para dizer que queria mudar o cabelo ou comprar um
vestido, ouvia aquele elogio de sempre.
“Você é linda assim.”
Eu o amava tanto e acreditava que
o amor era justamente aquilo, acreditava que o amor estava presente quando ele
me achava linda em quaisquer situações. Depois de quase cinco anos de
casamento, abri meus olhos.
Nossa filha estava felizmente
muito bem, estávamos estabilizados financeiramente. Quando saíamos em família,
eu mais parecia a empregada dele, de mãos dadas com nossa criança enquanto ele
andava lá na frente, de braços curvados e óculos escuros, muito bem vestido e
perfumado. As mulheres olhavam para e ele e ele também passou a olhar para
elas, além de umas risadas disfarçadas.
Acordei do transe.
Que negócio é esse? Ele se arruma
todo e eu fico aqui atrás, toda descabelada e mal vestida para ver ele flertar
com outras pessoas?
Não continuou assim. Comecei a
separar um dinheiro para mim, assim como ele sempre fez e, as brigas começaram.
Apesar das brigas, eu me sentia mais eu, matava a saudade de mim mesma, me
emocionei ao ver meu verdadeiro reflexo no espelho e, quando saíamos juntos,
estávamos nós três lindos.
Tentamos, mas acabamos optando
pela separação.
Hoje, minha filha e eu vivemos
muito felizes, ele é um pai presente, mas mal olha pra mim. Por falar em mim...
Como estou linda! Nunca me arrependerei da escolha que fiz. Escolhi amar à mim
mesma e se ele não me ama, o problema é todinho dele.