O Conceito de Família



Nunca consegui entender o porquê gentileza gerava tanta fúria dentro de casa.  Minha mãe sempre recebeu meu pai com um beijo de boa noite e um prato farto de comida. Às vezes ele chegava e nem se quer falava com ela, comigo e com meus irmãos. Só sentava na mesa, comia e ia dormir.  Era até bom quando ele ia dormir, por mais que às vezes, eu tivesse que visualizar minha mãe aos prantos com o pano de prato nas mãos. 
Ruim mesmo era quando ele comia, pegava o carro e só voltava de madrugadacom um cheiro muito forte de álcool, marcas de batom e uma agressividade gigantesca. Lembro de muitas vezes me esconder quando ouvia o carro chegando, mas lembrava da minha mãe logo em seguida e ia ficar com ela.  Eu era o mais velho de três irmãos, Paulo e Vitor tinham três e cinco anos, eu tinha treze. Por isso, me sentia o responsável por minha mãe nos dias que meu pai não era mais meu paiEntrava no meio das brigas, levava porrada na cara junto com minha mãe. Olho roxo era rotina. 
 Mãe, conta para alguém, pede ajuda!   Não, Vinicius. Ele vai descobrir e será pior. Por favor, não conte para ninguém.   Tá bom.  
Eu tinha que obedecer minha mãe, secar as lágrimas na blusa e ser forte.  A casa era escura e bem pequena, estava mal acabada e cheirava mofo. 
Meu pai sempre me oferecia cerveja, mas eu rejeitava. Tinha o maior medo de me tornar monstro e bater na minha mãe e nos meus irmãos. Como se o álcool fosse alguma fórmula maligna e transformadora.  Era um filme de terror. 
Certo dia, vi pela janela de meu quarto meu pai na garagem cheirando uma calcinha, dentro do carro, parecia estar em êxtase. Quando entrou em casa, seu rosto era outro. Jamais vou esquecer essa cena, jamais. Meus irmãos se encolhiam, não eram muito de conversar, sempre tiveram medo de falar alguma coisa. 
A comida tinha sempre o mesmo sabor, era sempre sem sal e bem cozida. Creio até hoje que, quando tinha um pouco mais de sal, era o sal das lágrimas da minha mãe.  Minha infância foi bem difícil. Meus irmãos também sofreram muito. 
Hoje, após alguns anos, sou casado e tenho dois lindos filhos, um casal. Eu daria minha vida por eles. Dentre as escolas da vida e no serviço que consegui, aprendi o que era o conceito real de família. Com minha mãe aprendi o que é amor, quando ela se calava para o nosso cotidiano não piorar.  ex-marido da minha mãe me ensinou a ser exatamente o oposto dele.  
Minha mãe? Está ali no quintal brincando com minha filha.  Hoje sou um homem feliz, que definitivamente não teve pai.  Ele foi embora com uma mulher mais nova, deixou tudo para trás... Mas sinceramente, fiquei feliz. 
Meus irmãos?  Paulo é traficante de drogas, está irreconhecível. Não aceita nossa ajuda, tem cinco filhos, cujo a mãe deles, ele matou. É um dos mandantes na favela em que hoje reside. Vitor... Faleceu durante uma briga, na porta de um bar.  Não culpo Paulo que, cresceu crendo que tudo aquilo era normal... Lamentamos diariamente por Vitor. 
Tocamos a vida, fazendo das tripas coração para proporcionar a maior paz e a maior quantidade de amor que existe aos nossos familiares.  Isso aqui sim, é uma família.  Aqui, gentileza gera gentileza. 
- Juliane França.

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